Na contramão do mundo, equipe econômica do governo insiste na “convicção” de que a política neoliberal serve para alguma coisa que preste.
Assistimos recentemente ao presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmar que o juros vão seguir altos por muito tempo, porque haveria, segundo ele, uma “desancoragem das expectativas”. E, como se fosse uma coisa séria, ele explicou que isso ocorre porque o “mercado” espera mais juros e o país não pode ir noutra direção. Já Fernando Haddad, que está indo para Los Angeles oferecer negócios no Brasil para as big techs, defendeu esta semana que não é o Estado e sim os monopólios privados que vão garantir o crescimento econômico.
Essas pérolas neoliberais são ditas por dois integrantes do governo Lula exatamente no momento em que o neoliberalismo está desabando e em cheque no mundo todo. Fruto do estrago causado pelos financistas, assiste-se atualmente a mudanças gigantescas na conformação geopolítica do mundo. Ocorre a queda da hegemonia dos Estados Unidos e o surgimento de um mundo multipolar. Na raiz dessas mudanças está o colapso das políticas e dos governos neoliberais em todas as partes do mundo.
A ofensiva do capital financeiro sobre o trabalho, os povos e as nações, gestada na década de 1970 e iniciada na década seguinte, como forma do capital tentar se livrar da perda de dinamismo e da crise estrutural que se instaurou, deu com os burros n’água e algumas décadas depois, em 2008, provocou um dos maiores colapsos financeiros já vistos no mundo. Seu estrago sobre a economia mundial só é comparável à “grande depressão” de 1929.
Quem seguiu à risca as normas determinadas pelo Consenso de Washington, como o Brasil, por exemplo – mas não só ele -, viu sua economia regredir e se despedaçar. Viu sua indústria ser desmontada, sua mão de obra se depreciar e sua pauta de exportações voltar a se concentrar em produtos primários. Ao contrário, países que mantiveram a ação firme do Estado para conter a ganância do capital e planejar o desenvolvimento em prol da sociedade, transformaram-se em potências industriais e tecnológicas.
RETRATO DA CRISE
Mesmo os EUA, país que mais se beneficiou do assalto neoliberal aos povos, através da ditadura do dólar, viu a coisa se desmoronar com a entrega do comando real de sua economia a uma oligarquia financeira tresloucada e decrépita. Isto foi fruto do parasitismo dos monopólios, e o país sofreu as consequências. Houve um processo de deslocação produtiva, de esvaziamento econômico e declínio político do país. Esse declínio político culminou com a atual chegada à Casa Branca de Donald Trump, um bilionário picareta, inescrupuloso e de extrema direita. Trump é o próprio retrato da decadência americana.
O estrago do neoliberalismo no Brasil foi avassalador. A indústria do país correspondia a 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e agora não passa de 10%. O país possuía, na década de 1980, uma indústria maior do que a da China e a dos chamados “tigres asiáticos” juntas. Hoje só a indústria chinesa – exemplo de quem não se submeteu à ditadura neoliberal – é dez vezes maior do que a brasileira. O Brasil é hoje um exportador de produtos primários e um importador de produtos industriais e de tecnologia avançada. Quarenta anos depois, não há como esconder esse verdadeiro desastre.
Desde Fernando Collor, em 1989, tivemos governos que podemos chamar de “neoliberais raízes”, como FHC, Bolsonaro e Temer – ou seja, serviçais convictos – que desmontaram o Estado, que atacaram a Previdência Social e os direitos trabalhistas, que venderam mais de 100 empresas estatais, entre elas estatais estratégicas como Telebrás, Vale do Rio Doce, Siderúrgica Nacional, Eletrobrás, partes da Petrobrás e muitas outras, tudo em benefício de seus patrões na metrópole.
DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Tivemos também, neste período, líderes que resistiram e até reduziram o ritmo das privatizações e ampliaram medidas sociais compensatórias, mas não retomaram as empresas que foram vendidas na bacia das almas e nem interromperam a desindustrialização e a precarização do trabalho.
Não há como justificar atualmente, como faz a equipe econômica do governo, a manutenção dessa política desastrosa, com todas as suas consequências nefastas ao país. Não é aceitável que, mesmo estando desmoralizada em praticamente todo o mundo, insista-se em manter essa política intacta no Brasil. O tripé do arrocho fiscal, da farra do câmbio solto – tornando o país presa da especulação dos monopólios financeiros – e das taxas de juros escandalosas, não pode seguir estrangulando a economia do país. Isso é um crime.
Uma política que sangra a população e o setor produtivo e que só serve à extração de quase um trilhão de reais do Orçamento Geral da União, através dos juros todos os anos para engordar os lucros astronômicos dos banqueiros e demais rentistas, é insustentável. Essa política derrubou o crescimento do PIB brasileiro, que foi de 6,7% por ano, entre os aos de 1930 a 1980, para 2% ao ano nas últimas décadas e até menos, na última década. Ou seja, ela empobreceu o país e mantém atualmente uma sangria criminosa dos recursos públicos.
IMPOSIÇÃO DE FORA
A equipe econômica do atual governo, encabeçada por Fernando Haddad e Gabriel Galípolo, por incrível que pareça, insiste em defender esses dogmas neoliberais e a manutenção do tripé macroeconômico. Tanto um como o outro não consideram que essa política é uma imposição do imperialismo norte-americano. Não acham que isso é a forma de impedir o desenvolvimento do país para extrair o máximo de lucros mantendo o Brasil como um paraíso da especulação financeira. Não consideram que o câmbio solto transforma o país em refém da agiotagem mundial. Eles consideram (pasmem) isso tudo como instrumentos “técnicos” de política econômica.
Em suma. Estão convictos da correção dessas medidas. Para eles, nada está sendo imposto de fora. Eles estão agindo, não só por devoção aos monopólios, mas por convicção própria. Fazem isso por acreditarem – contra tudo o que se sabe e se faz no mundo hoje – que o neoliberalismo é algo que possa trazer progresso ao Brasil. Ninguém mais acredita nesse receituário que tantos males trouxe ao mundo. A humanidade está à beira de guerras, fruto da falência dessa política, e os chefes da economia brasileira repetem esses mantras como se fossem “leis”.
Como dizia um famoso filósofo alemão: “A pior servidão é aquela que se manifesta, não por devoção a alguém, mas por convicção própria”.
Haddad e Galípolo introjetaram essa estupidez de que juros altos são importantes para a estabilidade do país, apesar do resultado disso ser o estrangulamento da economia. Dizem também que o país só pode gastar o que arrecada. Pura falácia. Essas são ideias retrógradas e completamente superadas, que vigoravam na República Velha, e que já foram enterradas. Elas só foram ressuscitadas pelo Consenso de Washington para aumentar o roubo das nações.
ARROCHO FISCAL PIORA
Não há dúvida que o Brasil tem que enterrar de vez toda essa política pró-rentista e investir no crescimento, na reindustrialização e na criação de empregos de qualidade. E o principal empecilho para que o Brasil retome sua trajetória de progresso, interrompida com a avalanche neoliberal, é a insistência da atual equipe econômica do governo em manter o surrado tripé macroeconômico. É preciso dizer em alto e bom som: arrocho fiscal não é solução para nada. Ele só cria recessão e mais crise fiscal.
Só com o crescimento da atividade econômica, puxado pelo poder público e pelos investimentos produtivos – coisa que os monopólios privados, diante dos ganhos da especulação, se recusam a fazer, – o país poderá arrecadar mais, crescer mais e atender à população ao mesmo tempo que fortalece sua política fiscal. O contrário é balela. Câmbio livre – o segundo item do tripé – é o sonho de consumo de qualquer especulador em todo canto do mundo. Eles especulam com o câmbio flutuante e espoliam – sem produzir nada – os países onde essa excrescência é permitida.
MUDAR POLÍTICA ECONÔMICA
E as metas irreais de inflação – último item do tripé – só fazem forçar que os juros sejam lançados nas alturas para propiciar ganhos bilionários aos bancos. O fim das metas absurdas de inflação e os juros altos são medidas que podem ser tomadas pelo Conselho Monetário Nacional, comandado pelo governo.
O “bom mocismo” de Haddad e Galípolo, com suas metas de inflação, seus juros criminosos e suas políticas fiscais contracionistas só agrada ao mundo das finanças em prejuízo do país. Essas politicas, não só trazem sofrimento e desilusão ao povo e ao setor produtivo, como atrapalham profundamente o desempenho do governo do presidente Lula. Não há hoje o menor cabimento em manter essa política pró-bancos quando o mundo inteiro está se desfazendo dela. É urgente que o presidente Lula se livre dessa política e retome suas metas originais de crescimento do país.
Autor: Sérgio Cruz (Jornalista)
Fonte: https://horadopovo.com.br/a-pior-servidao-e-aquela-que-se-manifesta-por-conviccao/