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Socorro Gomes: “É necessário fortalecer a união dos povos do Sul Global e ampliar a mobilização popular”
Publicado em 27/07/2025 20:37
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A dirigente nacional do Cebrapaz e ex-presidente do Conselho Mundial da Paz (CMP), Socorro Gomes, participou de um painel no Foro Internacional “Por Uma Humana Humanidade, Equilíbrio do Universo”, realizado em Caracas entre os dias 23 e 24 de julho. Estiveram presentes 114 delegados de 40 países, de todos os continentes. Abaixo, reproduzimos na íntegra a intervenção de Socorro.

 

Companheiros e companheiras,

 

Trago uma saudação desde o Brasil, onde a nossa organização, o Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz) empenha-se ao lado de outras organizações sociais e forças progressistas e internacionalistas, em ações pela paz mundial, em solidariedade com todos os países e povos agredidos ou sob ameaça de agressão por parte das potências imperialistas ocidentais, principalmente o imperialismo estadunidense.

 

Nossa palavra diante da estratégia e ações dessas potências é de denúncia, condenação e também de esperança. Inspiram-nos as forças políticas que em Nossa América estão na vanguarda desta luta. Por isso somos gratos à República Bolivariana da Venezuela, ao seu Líder, o Presidente Nicolás Maduro, pelo exemplo de luta que dá ao mundo, cumprindo o desiderato de Bolívar e Chávez. E felicitamos vocês pela organização desta Cúpula dos Povos pela Paz e contra a Guerra.

 

Estamos reunidos aqui num momento decisivo da história. Um momento em que a humanidade enfrenta, mais uma vez, uma ameaça de guerra total, da destruição em massa, da barbárie nuclear. Mas também, um momento de despertar das consciências, de articulação entre os povos, de avanço da resistência à dominação imperialista.

 

Há muitos conflitos em curso, mas destacadamente a guerra por procuração da Otan contra a Rússia e o genocídio perpetrado pelos sionistas israelenses contra o povo palestinosão as mais graves ameaças à paz na atualidade.

 

A guerra dos sionistas israelenses contra o povo palestino é uma sucessão de crimes em série de lesa-humanidade, de inomináveis crueldades, de uma desenfreada barbárie, em que se sucedem bombadeios, assassinatos em massa e seletivos, ações deliberadas visando ao extermínio da população, limpeza étnica, o uso da fome como arma de guerra e a hedionda matança de crianças e mulheres aos milhares. Esses crimes são cometidos para manter a ocupação ilegítima no território palestino histoticamente usurpado. Toda a humanidade é ofendida com as ações de Israel. Por isso, não se pode ser passivo ou neutro diante de tamanhas brutalidades. É preciso que se levante um potente movimento de solidariedade com o povo mártir da Palestina, primeiramente para parar a guerra de extermínio e em sequência garantir não só a existência do povo palestino, como também a criação e o reconhecimento pleno do Estado Palestino soberano, com capital em Jerusalém Leste.

Historicamente, o imperialismo norte-americano consolidou sua hegemonia no pós-guerra, erguendo um sistema de dominação política, econômica, militar e ideológica planetário, fundado no dólar, em instituições multilaterais a seu serviço, como o FMI, o Banco Mundial e a OTAN, e sustentado por uma indústria militar gigantesca, com suas bases militares e arsenais nucleares acumulados. Em 1979, o Comandante Fidel advertia que as armas nucleares são “capazes de exterminar a vida na terra várias vezes, a humanidade não pode viver sob permanente ameaça de um holocausto nuclear”. Diante disto, ele proclamou: “Exigimos o desarmamento geral e completo sob estrito controle internacional”.

 

Entretanto, essa hegemonia entrou em processo de erosão, particularmente nas últimas décadas. A hegemonia dos Estados Unidos — alcançada sobre a destruição da Segunda Guerra Mundial, sobre o dólar, as bases militares e o monopólio da força — está ruindo diante de nossos olhos.

 

Hoje, esse país imperialista está em crise estrutural, civilizatória, moral e ideológica. Ali crescem a desigualdade, o racismo, a xenofobia, o extremismo de direita. A indústria é substituída pela especulação financeira. O consumismo desenfreado da minoria existe em contraste com a pobreza crescente.

 

Vivemos agora o mundo multipolar, embora suas instituições não estejam construídas. Novas potências emergem — China, Rússia, o BRICS como grupo anti-hegemônico. O Sul Global se rearticula politicamente, novas alternativas de desenvolvimento ganham força. Este momento histórico, longe de ser pacífico é acompanhado de enorme tensão, pois o imperialismo tenta resistir à perda de sua supremacia.

Estamos assistindo ao nascimento de uma nova ordem internacional.


A China ergue-se como potência econômica e tecnológica socialista. A Rússia reafirma sua soberania e enfrenta o cerco militar. E é exatamente a isso que o imperialismo reage com fúria .

Os Estados Unidos não aceitam perder o controle do planeta. E para tentar manter sua hegemonia, recorrem aos métodos mais brutais: guerras por procuração, como a que vemos na Ucrânia contra a Federação Russa; suas mais de 800 bases militares e frotas da marinha de guerra ao redor do mundo cercam territórios, mares e oceanos, em permanente ameaça de agressão a nações independentes; sanções ilegais contra países soberanos; bloqueios econômicos, sabotagens, campanhas de desestabilização; intervenções armadas; golpes e lawfare contra governos progressistas; cercos militares e o apoio incondicional ao genocídio promovido por Israel contra o povo palestino.

 

Esta política é criminosa. Esta política põe o mundo à beira de uma guerra nuclear.

Diante de sua decadência, o imperialismo recorre a métodos cada vez mais violentos, ilegais e desestabilizadores para tentar frear o avanço da multipolaridade.

Isto coloca diante de nós a tarefa essencial de combater a causa principal da guerra: o imperialismo.

Nesta luta é essencial defender a soberania da América Latina e do Caribe. Vivemos uma conjuntura de crescentes ameaças políticas, econômicas e militares, que colocam em risco não apenas os governos progressistas, mas o próprio direito dos nossos povos de decidirem seus destinos de forma livre e independente.

 

A América Latina continua sendo tratada por Washington como seu “quintal estratégico”, uma região que deve ser submissa aos interesses geopolíticos e econômicos do capital norte-americano. Sob o pretexto da “democracia”, da “luta contra o narcotráfico” ou do “combate ao terrorismo”, o império desenvolve, de forma sistemática, operações de desestabilização, golpes híbridos, sanções econômicas, golpes e intervenções.

 

É preciso denunciar com veemência a ofensiva do imperialismo norte-americano contra os processos de autodeterminação popular em países como Cuba, Venezuela e Nicarágua. Estes governos, expressões da vontade soberana dos seus povos, são atacados cotidianamente por sanções ilegais, tentativas de golpes e campanhas de desinformação.

As chamadas “mudanças de regime”, frequentemente executadas com roupagens jurídicas ou institucionais, são formas modernas de golpe de Estado. Os Estados Unidos e seus aliados não toleram governos que priorizem os interesses nacionais, que controlem recursos naturais estratégicos ou que fortaleçam a integração regional soberana.

 

A imposição de bloqueios e sanções unilaterais constitui uma guerra silenciosa contra populações inteiras. Cuba resiste há mais de 60 anos ao bloqueio econômico mais prolongado da história moderna, infligido pelos Estados Unidos. A Venezuela enfrenta duríssimas sanções que afetam seu sistema financeiro, o comércio de petróleo e até a importação de medicamentos. Tudo isso sob a justificativa de “defender a democracia”, quando na realidade o que se busca é sufocar qualquer tentativa de construção de um projeto nacional popular.

 

As sanções e os bloqueios não são instrumentos de justiça internacional. São armas de guerra. São ferramentas políticas utilizadas por impérios decadentes para tentar sufocar o desenvolvimento de nações que ousam trilhar caminhos próprios, que se recusam a se submeter à lógica da dominação unipolar e que constroem projetos soberanos e populares.

Essas medidas punitivas unilaterais — muitas vezes travestidas de “medidas legais” ou “sanções direcionadas” — violam abertamente a Carta das Nações Unidas, ferem o princípio da autodeterminação dos povos e constituem uma afronta ao direito internacional. Sua finalidade real não é a “defesa dos direitos humanos”, mas sim a imposição de mudanças de regime, a sabotagem de processos revolucionários e o controle dos recursos naturais e das riquezas nacionais.

 

O principal alvo das sanções são os povos e os sistemas progressistas que escolheram São os trabalhadores, as mulheres, os idosos, as crianças e os doentes que pagam o preço das restrições comerciais, dos bloqueios bancários, do congelamento de ativos e das campanhas de isolamento diplomático.

Em Cuba, em plena pandemia, seringas e respiradores foram impedidos de chegar à Ilha por empresas que temiam represálias dos EUA. Na Venezuela, alimentos, medicamentos e insumos hospitalares foram bloqueados ou encarecidos artificialmente. No Irã, pacientes com câncer ou doenças raras ficaram sem acesso a tratamentos por causa do embargo à tecnologia médica. Na Síria, devastada por mais de uma década de guerra imposta, o imperialismo estadunidense estrangulou o país com sanções que impediram a reconstrução.

 

A perversidade desse mecanismo contra Cuba é tamanha que, mesmo diante de catástrofes naturais ou crises sanitárias, os países agressores se recusam a suspender ou aliviar essas medidas. As sanções, em sua essência, equivalem a cercos medievais em versão moderna: são cercos econômicos, midiáticos, jurídicos e diplomáticos que visam matar um povo de fome, de doença e de desespero, para depois culpar os governos por seu sofrimento. Tal é o bloqueio contra Cuba. Mas Cuba segue de pé. Graças à sua revolução socialista, à unidade do seu povo e à solidariedade internacional, o país resiste com dignidade e ainda encontra forças para enviar médicos a dezenas de países do mundo.

 

Na Venezuela, a política de sanções tem sido o braço econômico de uma guerra híbrida, concebida para derrubar a Revolução Bolivariana. Desde 2015, os EUA impuseram mais de 900 sanções unilaterais ao país. Congelaram ativos da PDVSA, impediram transações financeiras, bloquearam a venda de petróleo, pressionaram bancos internacionais e sequestraram, literalmente, bilhões de dólares pertencentes ao Estado venezuelano.

 

Ainda assim, sob a liderança do presidente Nicolás Maduro, o povo venezuelano demonstrou uma impressionante capacidade de resistência. A recente reeleição de Maduro é uma vitória da soberania nacional, e deve ser respeitada como expressão legítima da vontade popular.

Nesse contexto, precisamos denunciar com veemência a chamada “Lei Magnitsky” e suas variantes. Trata-se de uma legislação extraterritorial que autoriza os EUA e seus aliados a impor sanções a pessoas, empresas e países inteiros sob a justificativa vaga de “violações de direitos humanos”. Na verdade, é um mecanismo de perseguição política, utilizado seletivamente contra adversários estratégicos de Washington. A Lei Magnitsky converte os EUA em polícia, juiz e carrasco do mundo. É a institucionalização do arbítrio imperialista e deve ser abolida.

 

Companheiros e companheiras,

 

Não podemos ignorar o gravíssimo episódio ocorrido em 9 de julho. Em pronunciamento oficial, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um tarifaço e sanções contra o Brasil. Interfere nos assuntos internos do país, com graves ameaças, sob o pretexto de defender o ex-presidente Bolsonaro, golpista, entreguista e submisso ao imperialismo estadunidense. Trump ameaça ainda impor novas sanções contra países que ele chamou de “hostis à ordem internacional”. Foi uma retaliação direta à Cúpula do BRICS, realizada dias antes no Rio de Janeiro, que aprovou resoluções históricas em favor de uma nova governança mundial. Trump chegou a dizer: “O BRICS será destruído. Não permitiremos uma aliança de ditadores contra o Ocidente.”

 

Essa declaração escancara o desespero de um império em declínio, que assiste à emergência de uma nova ordem mundial, plural, multilateral e solidária. Os EUA não têm mais força moral nem hegemonia econômica para ditar os rumos do planeta. E por isso recorrem à chantagem, à ameaça, à guerra econômica e à sabotagem.

 

Do ponto de vista militar, a presença dos Estados Unidos na região é absolutamente alarmante. Estima-se que haja mais de 70 instalações militares norte-americanas ativas na América Latina e no Caribe, entre bases completas, destacamentos, centros de operações e instalações compartilhadas. Essas bases estão espalhadas por Colômbia, Honduras, El Salvador, Panamá, Peru, Paraguai, Cuba (na ilegal base de Guantánamo) e outras localidades estratégicas. A Colômbia, em particular, se tornou um verdadeiro enclave militar dos EUA, com ao menos sete bases formalmente reconhecidas, utilizadas para monitoramento, espionagem eletrônica e operações contra países vizinhos.

 

Ao lado disso, temos o Comando Sul dos Estados Unidos (SOUTHCOM), cuja jurisdição abrange toda a América Latina, exceto o México, e que atua como um quartel-general de intervenções. A atuação do Comando Sul não é defensiva, como afirmam seus porta-vozes, mas ofensiva, agressiva, e voltada para garantir os interesses geopolíticos dos EUA. Esse comando trabalha em estreita colaboração com as forças armadas locais, frequentemente promovendo doutrinação, treinamento contrainsurgente e lealdade aos interesses de Washington — uma forma moderna de tutela militar.

 

E não podemos esquecer da Quarta Frota da Marinha de Guerra dos Estados Unidos, reativada em 2008 após décadas inativa. Essa frota, com sede na Flórida, tem como área de atuação o Atlântico Sul e o Caribe, operando navios de guerra, submarinos e aeronaves de reconhecimento. Sua reativação coincide com a ascensão de governos populares na região e com o fortalecimento da integração regional impulsionada por organismos como a CELAC, o ALBA-TCP e o UNASUL. A presença da Quarta Frota é uma provocação direta às soberanias sul-americanas e uma lembrança constante de que o império mantém seus canhões apontados para os países que ousam afirmar sua independência.

 

A militarização da região se cruza com os interesses econômicos e políticos do capital transnacional. Os recursos naturais da América Latina — petróleo, lítio, água doce, biodiversidade, terras raras — são vistos como ativos estratégicos pelas potências imperialistas. A ofensiva sobre a Amazônia, as tentativas de controle sobre o pré-sal brasileiro, a cobiça sobre o lítio boliviano e argentino são exemplos gritantes de uma nova corrida neocolonial, agora sustentada também por tecnologias de guerra híbrida, ciberataques e lawfare.

 

Companheiras e companheiros, não podemos aceitar calados essa nova escalada imperialista. É preciso reforçar a luta pela soberania, pela autodeterminação dos povos e pela integração solidária da América Latina. Precisamos fortalecer mecanismos como a CELAC, reativar com força o UNASUL, construir alianças com os BRICS e aprofundar o espírito anti-imperialista que uniu nossos povos em séculos de resistência.

 

Diante de tal quadro, é necessário fortalecer a união dos povos do Sul Global, ampliar a mobilização popular, a solidariedade ativa e a denúncia permanente nos foros internacionais. Cabe-nos fortalecer os mecanismos de integração, como o BRICS, com a inclusão de novos membros, entre estes a Venezuela, a CELAC, o G77+China, o Movimento dos Não Alinhados. Cabe-nos defender o comércio em moedas nacionais, os bancos de desenvolvimento regionais, as alianças estratégicas entre nações soberanas.

 

A luta anti-imperialista é, hoje, uma luta pela paz, pela vida e pelo futuro da nossa região. Denunciar o imperialismo, resistir às tentativas de golpes, rechaçar as bases militares estrangeiras e construir uma nova ordem internacional baseada no multilateralismo, na justiça social e na solidariedade entre os povos são tarefas históricas da nossa geração.

 

Como dizia Simón Bolívar: “Os Estados Unidos parecem destinados pela Providência a encher de misérias a América Latina em nome da liberdade.” Que sua profecia continue nos servindo de alerta — e que a nossa luta transforme essa história de dor e dominação numa nova era de emancipação, dignidade e soberania popular.

 

Mais do que nunca, é hora de dizer com clareza:

É necessário unidade, unidade e unidade na luta contra o imperialismo e as guerras e conquistar a paz.

 

Viva a autodeterminação dos povos!

 

Viva a solidariedade internacional!

 

Pelo fim do genocídio contra o povo palestino e pela libertação definitiva deste heroico povo!

 

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