No passado dia 11 deste mês de Julho, a trupe dirigente de Washington deu a conhecer ao mundo mais um pacote de sanções contra Cuba. No anúncio feito pelo Departamento de Estado americano, entre outros castigos, foram adotadas restrições de visto e até de estadia a autoridades cubanas e aos seus familiares próximos.
Estou certo que, a não ser para participar nos fóruns internacionais das instituições que o imperialismo cativou para o seu território, como a ONU, por exemplo, nenhum dirigente cubano pensaria em viajar para o “paraíso da liberdade e da democracia”, como nos querem fazer acreditar serem os EUA.
Cuba está sob infame bloqueio norte-americano há perto de 70 anos, com as extremas dificuldades económicas e sociais que esse facto origina e que se refletem de maneira muito visível nas condições de vida do seu Povo.
Mesmo assim, se comparada com os EUA, Cuba ostenta a superioridade moral que lhe advém da solidariedade manifestada e praticada para com os outros povos e do seu regime pacifista orientado para a satisfação das mais prementes necessidades dos seus cidadãos, naturalmente dentro das condicionantes da política imperialista agressiva que é praticada conta si.
Por outro lado, o regime alimentado pelos seus agressores, sejam eles de índole republicada ou democrata – “tudo farinha do mesmo saco” - é caracterizado por invasões de outros países e quebra da soberania dos mesmos, morte e destruição, promoção de revoluções coloridas, aplicação de sanções à revelia do direito internacional, condicionamento da liberdade de acção política de governos estrangeiros, saques de riquezas alheias, fomento de guerras, instalação e manutenção de mais de 700 bases militares no planeta, cujo único objectivo é a preservação do domínio económico das grandes transnacionais e a submissão dos povos às políticas nefastas da Casa Branca.
Quando se fala em superioridade moral de um Estado, corre-se o risco de cair em abstracções vazias. No entanto, no caso de Cuba, o conceito ganha contexto histórico: trata-se de um país periférico que, apesar de mais de seis décadas de bloqueio económico, resolveu organizar a vida colectiva em torno de valores como solidariedade, equidade social e internacionalismo, matizes da sociedade socialista. A moralidade aqui não é só proclamada, é vivida e praticada no quotidiano: na escola gratuita, no médico da família ao virar da esquina, no princípio de que ninguém fica sem amparo, dentro ou fora das suas fronteiras.
Cuba construiu uma base moral invejável no sistema internacional contemporâneo
Cuba investe percentualmente mais em saúde do que a maior parte da América Latina (11,4 % do PIB em 2024) e dispõe de nove médicos por mil habitantes, a maior proporção do hemisfério*. O resultado traduz-se em indicadores próprios de países de alto rendimento: a mortalidade infantil caiu para quatro óbitos por mil nados-vivos em 2023, abaixo, inclusive, da taxa dos Estados Unidos (5,5 em 2024).
Durante o chamado Período Especial dos anos 1990, quando o PIB desabou 35 %, o orçamento cubano da saúde foi o último a sofrer cortes profundos, preservando-se a máxima de que a vida humana vale mais do que qualquer referência estatística.
O sistema de médico e enfermeira da família cobre cada quarteirão, acompanha grávidas, rastreia hipertensos e vacina crianças, convertendo o cuidado em direito e não em mercadoria.
Essa filosofia interna saltou as fronteiras de Cuba desde 1963, quando as primeiras brigadas sanitárias viajaram para a Argélia recém-independente. Desde então, mais de 600 000 profissionais de saúde cubanos prestaram serviço em 160 países. Só em 2020 havia 30 000 em missões activas. Em 2014-2016, 465 deles combateram o Ébola na África Ocidental, num esforço laureado com o Prémio Dr. Lee Jong-wook da OMS.
Durante a pandemia de COVID-19, o contingente Henry Reeve actuou em dois continentes.
Em 2023, 32 especialistas operaram na província turca de Kahramanmaraş após o devastador sismo ali ocorrido, realizando cirurgias pediátricas e cuidados intensivos em condições extremas.
Quando uma nação de 11 milhões de habitantes envia mais médicos ao Sul global do que todo o G7, afirma, na prática, que a solidariedade internacional não depende do PIB, mas da ética.
O mesmo impulso molda o campo educativo. A campanha nacional de alfabetização de 1961 mobilizou 100 000 voluntários, reduziu o analfabetismo de 23 % para 4 % em oito meses e inaugurou uma tradição de ensino gratuito em todos os níveis. Décadas depois, o método audiovisual Yo Sí Puedo, concebido em Havana, ensinou a ler mais de seis milhões de adultos em 29 países e valeu ao Instituto Pedagógico Latino-Americano o Prémio UNESCO Rei Sejong.
Alfabetizar é dotar seres humanos de ferramentas para exigir direitos. Ao levar ensino a montanhas de Timor-Leste ou a periferias de Caracas, Cuba proclama que toda a humanidade é capaz de aprender e merece ser ensinada.
A aposta no conhecimento vai além das letras
Mesmo sob o embargo que dificulta a importação de reagentes, o polo estatal BioCubaFarma desenvolveu cinco vacinas contra a COVID-19. Os imunizantes Abdala e Soberana, com eficácia superior a 90 %, foram exportados para Vietname, Venezuela e Nicarágua, ao passo que acordos de transferência de tecnologia permitem produção local no Irão. Num mercado dominado por patentes milionárias, a decisão de partilhar vacinas a preço de custo mostra que Cuba inova para salvar vidas – também a nível internacional -, não para maximizar lucros.
A solidariedade cubana extrapola o campo sanitário
Entre 1975 e 1991, até 55 000 soldados e técnicos cubanos combateram em defesa da Angola independente, culminando na Batalha de Cuito Cuanavale (1987-88). Nelson Mandela qualificou a derrota do exército sul-africano como “viragem histórica” que libertou a Namíbia e abriu caminho ao fim do apartheid. Havana não cobrou concessões mineiras nem instalou bases militares, apenas enviou os seus filhos sem pedir nada em troca. Aqui, a superioridade moral manifesta-se no sacrifício desinteressado, em contraste gritante com intervenções motivadas por lucro ou hegemonia.
O compromisso ético alcança também a relação com a natureza. Responsável por apenas 0,08 % das emissões históricas de CO₂, Cuba ratificou todos os acordos climáticos e adoptou o programa Tarea Vida (2017), que prevê o realojamento voluntário de comunidades costeiras e a restauração de 400 km² de manguezais para enfrentar a subida do mar.
A pegada de carbono per capita ronda 1,9 toneladas/ano, próxima da meta global de 2 t para limitar o aquecimento a 1,5 °C.
Paralelamente, o governo trabalha para que 24 % da electricidade venha de fontes renováveis até 2030. Só em 2025 está prevista a inauguração de 50 parques de energia solar, alguns já em funcionamento com apoio chinês e russo.
O facto de um país em crise energética escolher um rumo limpo evidencia que prioriza o bem estar colectivo em vez de ganhos imediatos.
Evidentemente, Cuba não é um paraíso, mas reconhecer falhas e dificuldades não anula o saldo exposto, pelo contrário, revela capacidade ética num contexto onde muitos regimes ditos liberais nem sequer garantem saúde e educação básicas.
Num sistema internacional marcado por desigualdades obscenas, Cuba insiste em medir o êxito nacional pela saúde das crianças, pelo número de livros nas mãos dos camponeses e pela quantidade de brigadas que partem para zonas de desastre. Essa inversão de prioridades — vidas em vez de lucros, cooperação em vez de competição — confere à ilha uma estatura moral que emana do carácter do seu Povo. Não se trata de santificar o Estado caribenho, nem de ignorar carências materiais que neste momento são gritantes, trata-se de reconhecer que, com recursos limitados, Havana produziu um legado de solidariedade assinalável e único.
Enquanto existirem povoados alfabetizados pelo Yo Sí Puedo, hospitais improvisados erguendo-se sobre escombros turcos ou crianças latino-americanas vacinadas com tecnologia partilhada, haverá razões para afirmar que, no concerto das nações, Cuba continua a ocupar uma posição moralmente elevada.
O futuro joga a favor de Cuba
Na actual conjuntura internacional em que um número crescente de vozes dos países do Sul Global se tem vindo a juntar para discutir uma alternativa ao dólar e em que os BRICs são uma luz ao fundo do túnel para todos os povos livres, o estatuto especial de que Cuba goza no âmbito desta organização deixa antever a possibilidade de que as dificuldades actuais ditadas pelo efeito das sanções de Washington poderão vir a ser ultrapassadas a médio prazo.
* Em Portugal, país da União Europeia, nos grandes centros urbanos, cada médico de família tem em carteira mais de 1.500 utentes do serviço de saúde.
Crédito da foto: https://www.pexels.com/pt-br/foto/edificio-de-concreto-branco-sob-o-ceu-azul-1637122/
Francisco Balsinha – Jornalista – Membro da Associação de Jornalistas dos BRICs, editor do site www.noticiasindependentes.info, antifascista e activista da Paz.