Fatma El Galia, presidente da Liga de Jornalistas e Escritores do Saara Ocidental na Europa, condena “a política macabra aplicada a partir de 1975 pelo reinado marroquino com a invasão, ocupação e torturas da população saarauí”. “Da mesma forma como o praticado pelos israelenses na Palestina, o que fazem é um atentado contra os direitos humanos que merece o repúdio de todos os povos e necessita ter fim”, enfatizou.
“Quando a Espanha abandonou o Saara em 1975, nos largou a seu bel prazer Marrocos, que entrou com a sua aviação bombardeando e assassinando a todos os que fugiam em direção à Argélia. Com a denúncia da população saarauí sobre tantos desaparecidos, houve a investigação da Cruz Vermelha e a descoberta, em 2012 e 2013, de dezenas de fossas comuns com anciãos, crianças e pastores. Pessoas mortas e enterradas de roupa e sapato, com carnês de identidade espanhola nos territórios liberados de Amgala e Emheiriz. Agora, os mesmos invasores continuam praticando uma ocupação ilegal e bárbaras torturas contra todos os que se opõem ao assalto às nossas imensas riquezas”.
O alerta é da poetisa Fatma El Galia, presidente da Liga de Jornalistas e Escritores do Saara Ocidental na Europa, em entrevista exclusiva na II Conferência da Federação Internacional de Jornalistas e Meios de Comunicação Solidários à Causa Saarauí, realizada nesta quarta-feira (28), na sede da Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA-Autônoma), em Buenos Aires.
“Nos montes de cadáveres descobertos por observadores internacionais como Paco Etxeberria, professor forense do País Basco”, denunciou Fatma, foram encontrados os DNA’s do pai e do irmão do atual ministro de Informação saarauí, Hamadda Salma, que necessitou 38 anos para realizar o funeral conforme a religião muçulmana. “Foi uma guerra psicológica o que sofreram os familiares, porque foram muitos anos de dor e sofrimento à procura de entes queridos. E há muitas pessoas que continuam buscando pelos parentes, vítimas de desaparições forçadas e arbitrárias”, frisou.
Terrorismo de estado praticado por Marrocos
De forma particularmente perversa, condenou Fatma, foram assassinados sob tortura nas prisões o pai e a mãe de Mohamed Salem e Mohamed Salek – respectivamente ex-ministro do Exterior e atual Conselheiro da presidência, e embaixador em Cuba – pelo simples fato de serem ativistas da Frente Polisário, movimento que lidera a oposição à bárbara ocupação. Suas irmãs menores de idade conseguiram deixar a prisão do reinado numa balsa rumo às Ilhas Canárias, trazendo com elas rolos de negativos de fotografias de presos que revelaram ao mundo a dimensão do terrorismo de Estado praticado pelo Marrocos. “A mãe havia sido cortada ao meio na coluna vertebral e colocada em um saco de lixo, para ser enterrada a milhares de quilómetros em locais secretos”, informou.
Fatma explicou que a primeira guerra com o Marrocos ocorreu entre 1975 e 1991, “havendo a paralisação do confronto porque íamos realizar um referendo a fim de que a população decidisse, democraticamente, sobre seu futuro”. Mas a Missão das Nações Unidas para o referendo no Saara Ocidental (Minurso) fracassou e o reinado realizou uma marcha de ocupação, entregando terras e casas para seus colonos, ao mesmo tempo em que perseguia os ativistas saarauís. “Os que se opunham à dominação tinham suas casas expropriadas ou derrubadas, sendo aplicada uma política de fome, enquanto os lacaios, aqueles que se submetiam aos ditames do invasor, era dado um bom emprego”, disse.
“Entre 1991 e 2020 tivemos um período ‘nem de paz nem de guerra’. E enquanto lutávamos pela paz, o reinado se armou e fortaleceu. Em novembro de 2020, depois de tanto esperar, já que as Nações Unidas nunca fizeram nada, a população dos acampamentos decidiu ocupar a Faixa de Gargarate – região que se encontra entre o deserto do Saara e as zonas mais úmidas e verdes da África, na fronteira com a Mauritânia -“por onde passam os comboios marroquinos com nossos produtos em direção ao exterior, sugando riquezas imprescindíveis ao nosso desenvolvimento, à melhoria da qualidade da vida da nossa gente”, explicou.
“Com a paralisação de Gargarate, porque a população disse que não sairia dali, o exército marroquino abriu fogo contra civis desarmados em território saarauí no dia 13 de novembro de 2020. A Frente Polisário ressaltou que se atacassem nossos civis haveria guerra. E os marroquinos dispararam contra os manifestantes para roubar nossos minerais – como o fosfato -, nossa agricultura – como o tomate – e nosso pescado – como a sardinha -, produtos que eles exportam para a Europa. Além disso, querem saquear nossa energia verde, a eólica e as placas solares. Então iniciou a segunda guerra para os saarauís com o Marrocos. E o reinado veio com seus drones e suas bombas, seus 2.700 quilômetros de muros, com mais de oito milhões de minas antipessoal e antitanques, tecnologia de radar, e trincheiras sob as quais eles colocaram 65 mil soldados, que ali vivem. Com a tecnologia que dispõem, qualquer civil saarauí é detectado pelos drones que assassinam a famílias inteiras, da mesma forma que faz Israel”, destacou.
De acordo com Fatma El Galia, “o mundo precisa conhecer esta realidade e este encontro em Buenos Aires vai contribuir para sensibilizar e conscientizar, furando o bloqueio dos grandes conglomerados privados de comunicação e permitindo que a população reflita e pressione o conjunto dos governos para termos a condenação do reinado do Marrocos”. “Atualmente, temos 83 países que reconhecem a República Saarauí”, recordou, citando que, na América Latina, apenas quatro (Argentina, Brasil, Bahamas e Chile) permanecem à margem, desconhecendo o princípio da soberania e da autodeterminação dos povos.
“Da mesma forma como Israel e EUA fazem na Palestina, há um lobby em prol do Marrocos, que nos quer manter como a última colônia da África, o que é algo inaceitável em pleno século 21. Mentem que é um conflito de baixa intensidade, fingindo desconhecer que há gente sem água nem luz em acampamentos com 52 graus durante o dia e temperaturas negativas à noite. Insistem com sua política do ‘dividir para reinar’, a fim de nos manter fragmentados e oprimidos. Mas, assim como a arte, a palavra e a poesia que ultrapassam fronteiras, sensibilizam com amor e fincam suas raízes, este encontro abrirá caminho e mobilizará os povos da América Latina pavimentando o caminho da vitória da verdade e da justiça”, concluiu.
Nesta sexta-feira, às 18 horas, Fatma El Galia lançará o seu livro “A dignidade, uma coroa de ouro”, no encerramento da Conferência, no hotel Quagliaro, Moreno, 2654, em Buenos Aires.
Autor: Leonardo Wexell Severo (Jornalista) – directamente de Buenos Aires
Crédito da foto: https://pixabay.com/photos/desert-sahara-moroccan-2489131/
Fonte: https://horadopovo.com.br/marrocos-usa-drones-para-matar-e-assaltar-as-imensas-riquezas-saarauis-denuncia-jornalista/