Houve um tempo, não muito longínquo, em que Israel se arrogava o monopólio da violência no Médio Oriente, pavoneando-se por trás da sua Cúpula de Ferro, das suas armas americanas e das suas armas nucleares não declaradas, ditando as suas vontades aos meios de comunicação corruptos e subsidiados, com a bênção silenciosa de um Ocidente cúmplice. Impunha a sua lei pelos ares, semeava bombas nas ruas de Damasco, Teerão e Beirute, eliminava os seus inimigos sem julgamento e ousou depois falar sem tremer do seu “direito de se defender”, enquanto atacava todos os seus vizinhos. Mas essa época está a desmoronar-se sob os escombros fumegantes de Haifa e as chamas que devoram Telavive, no mesmo momento em que escrevo estas linhas.
A arrogância militar israelita, alimentada por décadas de impunidade, acaba de se deparar com uma realidade que não tinha previsto, com um adversário que já não recua, que ataca metodicamente, massivamente e com precisão. O Irão, há muito fechado numa postura defensiva face a uma campanha de sabotagem, de assassinatos selectivos e de provocações contínuas, escolheu a hora da réplica em 15 de junho de 2025. E esta réplica nada tem de retórica fanfarrona, visto que se mede actualmente em centenas de mísseis, em drones suicidas e em ataques cirúrgicos contra numerosas infraestruturas estratégicas israelita.
Telavive, a arrogante montra da modernidade israelita, arde. Haifa, bastião industrial e militar, está em ruínas. O porto está crivado de crateras, as fábricas de Rafael estão esventradas e até o Instituto Weizmann foi transformado em carcaça fumegante. A Cúpula de Ferro, há muito apregoada como um escudo implacável contra os rockets palestinianos, na realidade revela-se uma peneira tecnológica obsoleta. Os mísseis balísticos, hipersónicos e inteligentes iranianos penetraram nas camadas da defesa israelitas como se elas não existissem. O que outrora era uma demonstração de domínio tecnológico transformou-se num parque de diversões a céu aberto livre para os drones kamikaze de Teerão. Até as instalações mais sensíveis, como as centrais eléctricas, as bases militares e as residências de altos funcionários foram atingidas com uma precisão arrepiante. Israel, que ainda ontem dava lições em matéria de segurança, esconde-se agora em abrigos subterrâneos, incapaz de garantir a sua própria defesa face a uma chuva de projécteis de alta tecnologia que são um reflexo exacto dos seus próprios métodos.
O que vemos não é apenas de uma resposta militar do Irão, mas um pôr a nu. Uma humilhação estratégica e uma advertência brutal de que a ordem internacional não pode tolerar eternamente o unilateralismo armado. O que estamos a testemunhar hoje é o colapso de um mito de longa data da invulnerabilidade israelita. O Irão já não é o joguete dos ataques israelitas, mas tornou-se o espelho trágico e implacável da sua política externa. A consequência tão lógica quanto directa de décadas de provocações não sancionadas. Israel quis esta guerra, mas já não controla o cenário. E a história, essa, está em vias de mudar de rumo.
Desde 2023 que Israel multiplica os ataques contra alvos iranianos no território da República Islâmica, sem declaração de guerra, sem mandato do Conselho de Segurança da ONU e, sobretudo, sem a mínima justificação legal reconhecida pelo direito internacional. Estas operações militares são o que parecem ser. Violações flagrantes da Carta das Nações Unidas (artigo 2§4), que proíbe explicitamente o recurso à força contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado membro.
Israel não estava em guerra com o Irão. Não tinha sido atacado por Teerão. Nunca nenhum míssil tinha atravessado a fronteira israelita antes de 2025. No entanto, o Tsahal arrogou-se o direito de proceder a assassinatos selectivos em solo iraniano, de sabotar infraestruturas civis e nucleares, de fazer explodir cientistas nas ruas de Teerão à maneira dos mafiosos e de fazer explodir comboios humanitários na Síria sob o pretexto de serem “pró-iranianos”. Tudo isso com a aprovação tácita, se não explícita, dos Estados Unidos e dos seus satélites europeus. Uma verdadeira licença para matar, de geometria variável, cujo objectivo é criar o “Grande Israel”, um programa imobiliário oculto sob mofos messiânicos.
E quando Israel é confrontado com a questão da legalidade das suas acções, foge. No entanto, Telavive nunca levou a sua paranoia sobre o programa nuclear do Irão aos tribunais internacionais. Nunca apresentou uma queixa ao Tribunal Internacional de Justiça. Muito simplesmente porque uma análise séria, por parte de organismos independentes como a AIEA, desmontou sistematicamente as suas alegações. O Irão cumpre, ou pelo menos cumpria, até ao bombardeamento das suas instalações, as regras do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. Não há provas tangíveis do fabrico de uma arma atómica. Até uma fatwa religiosa suprema proibiu explicitamente o Irão de construir uma bomba nuclear. Um compromisso moral que poucos países com armas nucleares, incluindo Israel, poderiam aspirar a igualar.
Mas Israel assenta no direito internacional como num banco velho. O seu objectivo não é a segurança, é o domínio. Ao perpetuar o mito de um Irão nuclear ameaçador, está a justificar o seu próprio programa atómico ilegal, cuidadosamente não reconhecido, nunca inspeccionado e, no entanto, o mais perigoso da região. E, sobretudo, usa esta ficção para justificar um estado de guerra permanente, no qual pode fazer-se de eterna vítima enquanto age como o principal agressor.
Não se trata de um conflito pontual ou de um mal-entendido diplomático. Trata-se de um sistema de provocação deliberada, mantido metodicamente durante décadas. Israel provoca, viola o direito, assassina em silêncio e depois grita agressão assim que um contra-ataque ameaça o seu monopólio da violência. É a política do fogo sem fumo, da guerra sem guerra, da impunidade como doutrina. Mas a História pode estar a mudar. Desta vez, o Irão não apresentou queixa em Haia. Respondeu com fogo. E Telavive saboreia pela primeira vez o que significa, concretamente, viver sob a ameaça de um céu hostil.
É preciso voltar a dizê-lo com clareza! Israel é a única potência nuclear do Médio Oriente. É um facto, mesmo que Israel se esforce por nunca o confirmar publicamente. Esta “ambiguidade estratégica” não passa de uma hipocrisia diplomática tolerada e até protegida pelos seus aliados ocidentais. Enquanto as centrifugadoras iranianas são acossadas diante das câmaras, desvia-se o olhar das ogivas israelitas armazenadas em Dimona, à sombra do deserto do Negev. Até hoje, nenhum inspector da AIEA pôs os pés no local. E com razão, porque Israel recusa-se simplesmente a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) que, no entanto, exige, insistente e ruidosamente, que o Irão respeite até ao mais ínfimo pormenor.
Ironia geopolítica, pensarão. Eu diria antes um cinismo nuclear! Porque, há anos que Israel, com a cumplicidade estridente dos Estados Unidos e a submissão muda da União Europeia, acusa o Irão de querer fabricar uma arma atómica, apesar de nunca ter havido nem provas, nem confissões, nem testes, nem declaração oficial que sustentassem essa acusação. Pelo contrário, dezenas de relatórios da AIEA, disponíveis para consulta pública, confirmaram que o Irão respeita os seus compromissos. O Irão foi mesmo ao ponto de propor, com insistência, a criação de uma zona desnuclearizada no Médio Oriente, ideia imediatamente rejeitada por Israel.
Porque aceitar esta iniciativa significaria abrir a porta às inspecções internacionais do seu próprio arsenal, aderir ao TNP e revelar aquilo de que todos suspeitam. A saber, que Israel possui armas nucleares e não tem qualquer intenção de as abandonar. Por outras palavras, Israel não quer eliminar a ameaça nuclear na região, quer continuar a ser A ÚNICA ameaça nuclear.
Assim se constrói a dualidade de critérios, porque aquilo que Telavive se permite em segredo, demoniza-o no outro; o que as suas ogivas encarnam nos silos, censura-o nas centrifugadoras de enriquecimento para uso civil do programa iraniano. A propaganda fez o resto, transformando o Irão num “Estado pária” com ambições atómicas demoníacas, enquanto Israel, embora detentor clandestino da arma suprema, se pavoneia como o autoproclamado guardião da paz.
Mas esta ficção desmorona-se agora. A estratégia israelita, assente no bluff, na intimidação e no silêncio nuclear, já não resiste ao teste da realidade. São os mísseis iranianos que agora a caiem sobre as suas centrais eléctricas, as suas bases militares e os seus centros de investigação. São os alvos israelitas, outrora a salvo de represálias, que explodem uns atrás dos outros.
Já não é uma questão de dissuasão, é uma lição de reciprocidade. E esta lição começa a quebrar a aura de invencibilidade de Israel, cuja arrogância nuclear está agora a ser exposta, visada e virada contra si. Porque, durante décadas, Israel teve a audácia, ou o desplante, de se apresentar como uma vítima perpétua, um David cercado por Golias bárbaros, justificando em nome da sua “sobrevivência” uma diplomacia baseada no assassínio, na sabotagem, na intimidação e na chantagem militar.
Mas o que acontece quando os serviços secretos deste “povo auto-eleito” se comportam exactamente como o inimigo que dizem combater? Acontece que o mundo começa finalmente a ver que Israel industrializou o terrorismo de Estado, com a sofisticação de um cirurgião e a selvajaria de um esquadrão da morte.
Quanto ao Mossad, não é um serviço de informações. É uma organização de eliminação sistemática. Um grupo de terroristas internacionais. O seu modus operandi, com uma assinatura única, usa carros-bomba, agentes adormecidos, explosões selectivas, ciberataques e liquidação física de qualquer pessoa considerada uma “ameaça” pela superioridade israelita. Se o Daesh e a Al-Qaeda (aliás, financiados pelos EUA) colocassem bombas, as pessoas gritariam jihad. Se Israel rebenta com um cientista nuclear iraniano nas ruas de Teerão, há apenas um silêncio educado, ou mesmo uma admiração abafada, declarando-se nas televisões subsidiadas e sionistas: “que eficácia dos serviços secretos”. O mesmo método, a mesma cobardia, mas uma narrativa completamente diferente.
E, desde abril de 2025, o verniz estala. Explosões sacodem Teerão, carros explodem em bairros civis e crianças iranianas morrem a brincar na rua. O culpado é oficiosamente o Mossad. Mas oficialmente... ninguém. Estas tácticas, outrora camufladas em narrativas de defesa preventiva, são agora recicladas no horror nu do terrorismo urbano, como se o exército israelita tivesse finalmente decidido imitar os seus inimigos em vez de os combater. Reconhecem-se os mesmos métodos que os usados pelos grupos terroristas, o que poderia levar-nos a pensar que são as mesmas pessoas que assim agem. Na verdade, a guerra limpa não existe, mas Israel sempre gostou de sujar as mãos com luvas brancas. No fim de contas, o “exército mais moral do mundo” não passa de um amontoado de terroristas protegidos pelos meios de comunicação e pelas armas do Tio Sam.
Só que, desta vez, a opinião pública internacional, saturada de imagens, de vídeos, de provas, começa a fazer a ligação entre estes métodos que são tão idênticos aos das organizações terroristas que se tornam assinaturas de sangue. O único elemento que muda é a nacionalidade do assassino anunciada pelos meios de comunicação social.
Este terrorismo de Estado atingiu um clímax grotesco quando fontes iranianas afirmaram que o Mossad planeava um falso ataque a bases americanas para desencadear uma guerra total contra o Irão. Uma manipulação tão vil como uma falsa bandeira, digna de um thriller paranoico... salvo que, no cenário do Médio Oriente, este tipo de intriga é banal. É a política externa israelita em acção que persiste em acender um rastilho e depois acusar os outros do incêndio.
E quando o Irão contra-ataca, metodicamente, visando os centros de informação escondidos no coração dos colonatos israelitas – o que, não esqueçamos, faz dos civis israelitas, de facto, escudos humanos em torno de instalações militares -, redescobrem-se então as grandes lágrimas de crocodilo de Telavive. O Mossad mata na sombra, Israel ataca à luz do dia e depois clama ser mártir assim que um míssil cai sobre Haifa ou Telavive.
Mas, desta vez, a encenação não funciona. O cenário perdeu originalidade. E os drones “Shahed” filmam os seus alvos antes de os destruírem. Os vídeos espalham-se mais depressa do que os desmentidos oficiais. A propaganda israelita vacila, o mito sucumbe. Até a santa aliança mediática ocidental tem dificuldade em acompanhar, porque há demasiados corpos, demasiadas chamas, demasiados mísseis para que isto possa ser disfarçado de operação “defensiva”. E este Estado ilegal, que fazia reinar o medo nas ruas dos seus vizinhos, prova agora as suas próprias receitas. O Mossad, orgulhosa encarnação da “precisão cirúrgica”, acaba de descobrir que a guerra, a verdadeira, não se limita a colocar bombas debaixo dos bancos dos carros dos outros. Acaba sempre por regressar a casa.
Perante esta chuva de fogo, as elites israelitas fogem para os bunkers, os soldados desertam e os chefes dos serviços secretos demitem-se. O Shin Bet vacila, o Mossad perde o controlo e Netanyahu, saído dos seus túneis para inspecionar as ruínas, só tem cinzas como horizonte político. Enquanto o Ocidente fecha frouxamente os olhos, Israel descobre, estupefacto, o que significa sofrer o que há muito infligia aos outros. O choque não é apenas militar, é um colapso moral. Um povo habituado a atacar sem ser punido apercebe-se agora e com terror que a guerra, a verdadeira, já não distingue nada entre o carrasco e a sua própria fachada de vítima.
Além disso, depois de ter armado a Ucrânia até aos dentes, como um gladiador sacrificado no altar da OTAN, Washington faz agora vista grossa, cansado de um conflito que não rendeu nada a não ser stocks de munições a repor e milhares de milhões evaporados no nada. Zelensky, agora uma silhueta trágica, pedincha obuses, enquanto os grupos de reflexão de Washington preparam já os próximos funerais geopolíticos de Israel. Porque, nos bastidores, os Estados Unidos desobrigam-se cobarde, mas metodicamente. O fiel aliado é agora um fardo estratégico, bom para acenar nos discursos, mas demasiado arriscado para defender quando os mísseis chovem.
A mensagem de Mac Gregor é clara para todos: “Se desencadearem um inferno regional, não contem connosco para o extinguir com o nosso sangue e o nosso dinheiro”. Israel, tal como a Ucrânia, são agora dois peões sacrificados no tabuleiro de xadrez imperial. Dois aliados demasiado fanfarrões, agora deixados à sua própria sorte, enquanto a América, embriagada pela dívida e pelo fentanil, se retira por trás do seu slogan “America First”. Uma tradução contemporânea do “cada um por si”!
Assim, pela primeira vez em décadas, Israel, esse colosso com pés de barro, é obrigado a rever a sua pretensa invencibilidade, uma vez que deixou de ser apoiado pelos EUA. O Irão, até agora visto como um Estado “pária”, submetido a um embargo permanente e a uma guerra-sombra, acaba de romper o monopólio da força unilateral no Médio Oriente. Com os seus ataques massivos, precisos e implacáveis, Teerão arrasa a narrativa ocidental de um agressor perpétuo transformado em vítima legítima. Mas esta mudança não diz respeito apenas a Israel, visto que abala também todas as alianças e equilíbrios e incita as potências mundiais a reavaliarem os seus cálculos estratégicos.
A arrogância com que Israel perpetrou o seu genocídio em Gaza, massacrando civis sob o pretexto de uma “legítima defesa”, terá sido, finalmente, a sepultura que o país cavou para si próprio, com a sua arrogância, ao atacar frontalmente o Irão. Uma coisa é reduzir a nada uma população sob embargo há 40 anos, faminta, sedenta e martirizada; outra coisa é atacar um país como o Irão!
Esta política de ultra-agressão, baseada na impunidade e na brutalidade descomplexada, despertou um adversário determinado, pronto a redefinir definitivamente as regras do jogo militar e diplomático. Hoje, é Israel que aprende, a um preço elevado, o que é o terror que impôs aos seus vizinhos. E, neste jogo sangrento de lorpas, é a lógica implacável da justiça histórica, dolorosa, lenta, mas inexorável, que vem bater à porta de Telavive. Mas esta estratégia baseada na força bruta e na injustiça só podia voltar-se contra ele. E já não era sem tempo...!
A partir de agora, o Irão já não se contentará em ser a vítima silenciosa de provocações e ataques ilegais. O que o mundo vê hoje já não é simplesmente uma guerra regional, mas o regresso brutal da justiça histórica. Quer queira quer não, Israel está prestes a ser colocado no seu devido lugar, e não pela diplomacia ou pelos tribunais internacionais, mas pela força implacável de um Estado que se recusa a deixar-se humilhar ainda mais e aniquilar sem reagir.
O Irão demonstra que a resistência e a soberania podem prevalecer perante as potências dominantes, enviando assim uma forte mensagem à comunidade internacional sobre a necessidade de respeitar os direitos e as aspirações dos povos. A narrativa da vítima desmorona-se, as máscaras caiem e uma nova era pode muito bem começar para o mundo inteiro, cansado de viver diariamente os horrores e as injustiças. Uma era em que a arrogância de ontem se torna a retribuição de hoje.
Israel invocou tanto o inferno que está a arder nele...
Phil BROQ
(Blog de l'éveillé)
16.Junho.2025
(Tradução de Isabel Conde)