

Wu Xuangong, ex-secretário do Comitê do Partido Comunista da China na Universidade de Xiamen e professor da Faculdade de Economia na mesma univerisdade.
Com a dualidade presente nas formas de propriedade e nas relações de produção em nosso país, não apenas as leis econômicas do socialismo estão em operação — as leis do capitalismo também exercem influência. Quando duas formas distintas de leis econômicas coexistem em uma mesma sociedade, inevitavelmente uma delas se tornará dominante. Os dados históricos da economia chinesa demonstram que os diversos problemas sociais que surgiram — passando do inexistente ao existente, do raro ao comum, do sutil ao evidente — cresceram em quantidade, abrangência, impacto e intensidade de forma paralela ao desenvolvimento das relações de produção capitalistas e ao fortalecimento das leis econômicas do capitalismo. Uma vez que a economia capitalista se fortaleça a ponto de ocupar uma posição dominante na sociedade, suas leis econômicas inevitavelmente se tornarão as principais forças que regem a dinâmica social.
1. Reconhecer a Realidade: O Poder Crescente do Capital Está Minando a Base Política do Partido Comunista da China
Após mais de 30 anos de reforma e abertura, a China passou por uma série de transformações profundas em suas relações econômicas e sociais. Além do contínuo e acelerado desenvolvimento das forças produtivas e do rápido fortalecimento da economia nacional, a mudança mais significativa foi a transformação na estrutura social da propriedade dos meios de produção.
Antes, a economia socialista de propriedade pública abrangia praticamente toda a sociedade. Hoje, ela convive com a propriedade privada capitalista e a propriedade individual, formando uma estrutura de coexistência.
Essa profunda mudança na estrutura da propriedade dos meios de produção provocou também transformações nas relações de produção e nas esferas política e ideológica do país.
Primeiro, surgiu um grande número de empresas privadas capitalistas fora da economia socialista. Essas empresas operam com base no sistema de trabalho assalariado, visando ao lucro máximo, estabelecendo relações de exploração entre capitalistas e trabalhadores.
Segundo, com a adoção do sistema moderno de empresas nas estatais socialistas, ocorreram mudanças significativas em suas relações internas. Passou a haver diferenças entre as empresas estatais no que diz respeito aos direitos de posse, controle e uso dos meios de produção. Como resultado, surgiram interesses particulares distintos dentro do que ainda é, formalmente, propriedade do Estado. Assim, mesmo no interior da propriedade estatal, emergiu uma forma de “propriedade coletiva”, gerando certo grau de desigualdade entre as empresas estatais em termos de sujeitos e objetos das relações de propriedade.
Terceiro, após essa transformação na estrutura de propriedade, todas as empresas — incluindo as estatais — passaram a atuar como entidades independentes com diferentes graus de autonomia econômica e interesses próprios. O Estado já não possui mais autoridade para impor ordens econômicas a elas. Para se desenvolverem e prosperarem, essas empresas precisam adaptar-se às demandas do mercado, seguir suas regras e fazer uso flexível dos recursos disponíveis. Nesse contexto, a economia de mercado gradualmente substituiu o sistema de economia planificada, tornando-se o principal meio de organização das relações econômicas e de alocação de recursos.
Quarto, com o desenvolvimento econômico em ritmo extremamente acelerado, o país deixou para trás a antiga “economia de escassez”, marcada pela falta de produtos, e entrou numa fase de abundância. Em muitas áreas, há inclusive excesso de capacidade produtiva e superprodução.
Quinto, com o rápido avanço da economia capitalista, uma minoria de ricos concentrou fortunas imensas em tempo recorde, enquanto a maioria da classe trabalhadora viu sua renda aumentar lentamente. Isso gerou uma profunda desigualdade na distribuição de renda e patrimônio, elevando o coeficiente de Gini da China a patamares entre os mais altos do mundo. A burguesia, que em certo momento havia desaparecido, ressurgiu — e agora cresce rapidamente.
Sexto, junto com a expansão da economia privada, surgiram disfunções e distorções em um mercado que antes era relativamente ordenado, justo e confiável. A especulação, a fraude e o engano proliferaram. Produtos falsificados, de má qualidade e até tóxicos passaram a circular em larga escala. Capitais especulativos invadiram diversos setores, manipulando os preços de bens essenciais, comprometendo a ordem do mercado e saqueando o povo.
Sétimo, impulsionada pela busca desenfreada do lucro, a economia privada passou a desperdiçar e explorar de forma predatória os recursos naturais, gerando sérios danos ao meio ambiente. A poluição e a destruição ecológica resultantes disso criaram problemas que levarão gerações para serem resolvidos, afetando gravemente a vida e a saúde da população.
Oitavo, sob a influência crescente do poder do capital, surgiram, dentro do Partido Comunista — a vanguarda da classe operária — e no governo, que deveria ter como objetivo servir ao povo, numerosos funcionários corruptos e novos “senhores feudais” que oprimem a população. Isso prejudica a imagem do Partido e do governo, destrói os laços históricos e virtuosos entre o Partido, o Estado e o povo, e mina as bases políticas da estabilidade social.
Nono, com o desenvolvimento da economia capitalista e a penetração de ideologias ocidentais, a consciência social em nosso país tornou-se cada vez mais complexa. Os ideais revolucionários e a fé no socialismo foram gradualmente enfraquecidos, o marxismo passou a ser marginalizado, e valores como o individualismo, o egoísmo e a busca desenfreada por interesses materiais se disseminaram amplamente. Práticas que haviam sido erradicadas há décadas, como a prostituição e o tráfico de drogas, ressurgiram; crimes como roubo, homicídio, vandalismo e estupro também aumentaram de forma alarmante.
Essas transformações são marcantes e de profundo impacto. Reconhecer essas mudanças de forma objetiva e compreendê-las plenamente é o ponto de partida fundamental para manter a linha ideológica do Partido, compreender corretamente o rumo do desenvolvimento futuro, formular diretrizes adequadas para a reforma e o progresso, e avançar com êxito na construção do socialismo com características chinesas.
2. É Preciso Encarar Corajosamente as Relações de Produção Capitalistas Já Amplamente Presentes na China e Suas Consequências
Partindo da análise das características atuais da estrutura de propriedade dos meios de produção em nosso país, é possível compreender, de forma fundamental, os traços essenciais do socialismo com características chinesas.
A reforma e abertura romperam com a estrutura anterior quase inteiramente baseada na propriedade pública dos meios de produção, dando origem, de forma gradual, a um sistema econômico básico em que a propriedade pública continua sendo dominante, mas coexistindo com múltiplas formas de propriedade. Dentro dessa nova estrutura social, duas formas principais de propriedade se destacam: a propriedade socialista pública dos meios de produção e a propriedade privada capitalista. A coexistência dessas duas formas de propriedade, de natureza social completamente distinta, criou uma estrutura dual na base econômica da sociedade e provocou transformações profundas nas relações sociais, econômicas e políticas do país:
Primeiro, a antiga predominância das relações de produção socialistas deu lugar a uma convivência com as relações de produção capitalistas. A isso se somou o ressurgimento da burguesia — antes eliminada — que hoje detém uma força econômica centenas de vezes superior àquela que possuía antes das “três grandes transformações”.
Segundo, as leis econômicas socialistas deixaram de ser o único princípio regulador da vida econômica do país. Com o surgimento e desenvolvimento das relações de produção capitalistas, as leis econômicas do capitalismo passaram a atuar com força crescente. Elas não apenas regulam a atividade da economia capitalista, como também interferem de maneira significativa na atuação das leis econômicas socialistas.
Terceiro, ocorreu uma mudança profunda nas contradições sociais fundamentais: além da contradição principal do socialismo, passaram a existir também contradições características do capitalismo.
Essa é, em resumo, a dualidade estrutural que hoje marca a China nas esferas da propriedade dos meios de produção, das relações de produção, das leis econômicas e das contradições sociais fundamentais. Essa realidade é evidente e cada vez mais pronunciada, exercendo uma influência abrangente e poderosa sobre todos os aspectos da vida econômica, política e social do país — e, portanto, impactando também todas as outras características que definem essa etapa do desenvolvimento. Por isso, essa dualidade precisa ser reconhecida como um dos traços básicos do estágio primário do socialismo na China.
As inúmeras manifestações econômicas e sociais que surgiram recentemente — muitas das quais contradizem os princípios e a natureza do socialismo — só podem ser compreendidas a partir dessa realidade dual, e é nesse ponto que devem ser buscadas tanto suas causas como os caminhos para sua superação.
A economia política em nosso país já fez uso correto da teoria e do método marxistas para analisar as relações de produção e chegou a conclusões acertadas. No entanto, hoje, a aplicação desses fundamentos tornou-se parcial e descompassada com a realidade. Muitos estudiosos ignoram ou evitam reconhecer as profundas transformações nas relações sociais e econômicas provocadas pela dualidade na estrutura de propriedade. Continuam tentando explicar a complexidade das relações produtivas atuais com teorias formuladas para uma época em que predominava exclusivamente a propriedade pública socialista. Evitam comentar sobre as relações de produção capitalistas amplamente presentes na sociedade atual e chegam até a omitir a própria existência de relações econômicas capitalistas no país, por receio de “pisar em terreno sensível”. As diferenças entre relações de produção de natureza oposta, assim como suas interações e contradições, são raramente analisadas ou discutidas.
Essa abordagem falha em orientar o povo a compreender corretamente as origens dos problemas e contradições atuais, fazendo com que muitos atribuam os efeitos negativos do capitalismo à estrutura socialista. Isso mina a confiança no sistema socialista, obscurece o caminho do desenvolvimento social e enfraquece a fé na teoria marxista.
Portanto, é imprescindível partir da realidade concreta da dualidade estrutural que hoje caracteriza a China — especialmente no que diz respeito à propriedade dos meios de produção — para investigar as relações de produção no estágio primário do socialismo e promover a renovação do sistema da economia política.
3. Encarar as Contradições entre o Socialismo e o Capitalismo e Estar Atento ao Risco de Submissão da China ao Capitalismo
O presidente Mao Zedong afirmou: “A lei da contradição nos fenômenos — ou seja, a lei da unidade dos contrários — é a lei fundamental da dialética materialista.” Ele também disse que “a lei da unidade dos contrários é a lei fundamental do universo; ela existe universalmente tanto na natureza, como na sociedade humana e no pensamento das pessoas.” O secretário-geral Xi Jinping reforçou: “A capacidade de pensamento dialético consiste em reconhecer, analisar e resolver as contradições, sabendo identificar o essencial, focar nos pontos-chave e compreender as leis do desenvolvimento das coisas.”
Manter o método de análise das contradições é especialmente importante para compreendermos corretamente as relações de produção em nossa sociedade e para construir e inovar a economia política contemporânea da China. Isso porque, com o avanço da reforma e abertura, nosso país passou a apresentar uma estrutura social onde coexistem as relações de produção socialistas e capitalistas. Essas duas formas de relação possuem naturezas radicalmente distintas, objetivos sociais de produção diferentes, seguem leis de desenvolvimento diversas e geram contradições sociais de tipos também diferentes. Comparado ao período em que existia apenas uma forma de propriedade, o cenário atual apresenta contradições muito mais complexas — o que torna ainda mais urgente uma análise aprofundada.
O objetivo da produção na sociedade socialista é satisfazer as necessidades materiais e culturais crescentes do povo trabalhador. A principal contradição dessa sociedade é justamente entre o desenvolvimento da produção e a incapacidade de atender plenamente essas necessidades. Por outro lado, o objetivo da produção na sociedade capitalista é a obtenção do máximo de mais-valia possível. Suas principais contradições se manifestam na oposição entre a burguesia e os trabalhadores assalariados; na contradição entre a organização interna da produção nas empresas e o caráter anárquico da produção em escala social; e na contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e a insuficiência da demanda efetiva (ou seja, da demanda com poder de compra).
As contradições entre o socialismo e o capitalismo não influenciam apenas as respectivas estruturas internas de produção — como ambas existem dentro de uma mesma sociedade, elas também se afetam mutuamente. A sobreposição de contradições internas e externas forma uma rede de tensões cada vez mais complexa e abrangente. Somam-se a isso as contradições entre a base econômica e a superestrutura, gerando, na sociedade, inúmeros conflitos sociais e uma série de comportamentos e fenômenos negativos que colidem frontalmente com a essência do socialismo, como descrito nas seções anteriores.
A economia política precisa ter a coragem de revelar e encarar essas contradições, analisá-las com profundidade, distinguir as contradições principais das secundárias, bem como os aspectos principais e não principais de cada contradição. Deve, sobretudo, buscar de forma sistemática e abrangente as condições objetivas que dão origem a essas contradições, entender suas conexões internas, essenciais e inevitáveis, avaliar suas tendências de evolução e identificar os caminhos e métodos corretos para sua resolução.
O fato de tantos conflitos e problemas complexos terem emergido em uma China que se declara socialista está diretamente relacionado à dualidade de nossa estrutura de propriedade e de relações de produção. Como resultado, além das leis econômicas do socialismo, as leis do capitalismo também estão operando dentro da sociedade chinesa — e isso explica grande parte das contradições que hoje enfrentamos.
Na sociedade socialista, os meios de produção e os produtos do trabalho pertencem coletivamente aos trabalhadores. O objetivo da produção social é satisfazer, da forma mais ampla possível, as crescentes necessidades materiais e culturais de todo o povo. Nesse sistema, elimina-se a relação de exploração na qual uma minoria se apropria gratuitamente dos frutos do trabalho alheio, assim como se supera a competição caótica e o estado de anarquia da produção. As principais leis que regem essa forma de economia são: a lei econômica fundamental do socialismo, a lei da cooperação igualitária entre os trabalhadores, a lei da organização planejada da produção social e a lei da distribuição conforme o trabalho. O funcionamento positivo dessas leis tem promovido um desenvolvimento econômico acelerado e sustentado na China, com relações econômicas harmoniosas e estáveis.
Em contraste, nas relações de produção capitalistas, os meios de produção são controlados pela burguesia, que domina todos os fatores de produção com o único objetivo de maximizar os lucros. Dentro das empresas, os capitalistas intensificam a exploração dos trabalhadores; no mercado, competem entre si ferozmente pela maior fatia de lucros possível. O que rege suas atividades são leis como a da mais-valia, a da acumulação de capital, a da competição cega do mercado e a da distribuição desigual da riqueza. À medida que o poder do capitalismo cresce, essas leis ganham força e passam a gerar uma produção social desorganizada e caótica, além de uma série de problemas como desequilíbrios produtivos, destruição ambiental e prejuízos ao bem-estar popular. Tudo isso representa obstáculos à modernização da estrutura industrial, à coordenação ampla e sustentável da economia nacional e, em última instância, ao progresso social e à melhoria das condições de vida do povo.
Além disso, a coexistência dessas duas formas de relação de produção e de leis econômicas em uma mesma sociedade implica necessariamente em influências mútuas.
A economia pública socialista — especialmente o setor estatal — exerce certos efeitos positivos sobre a economia privada. Por exemplo, nas estatais, os trabalhadores mantêm relações de cooperação igualitária e a distribuição é feita conforme o trabalho, o que ajuda a conter os níveis de exploração nas empresas privadas. Além disso, o setor estatal desempenha um papel importante na realização dos objetivos de regulação macroeconômica do Estado, contribuindo para mitigar os efeitos destrutivos da busca desenfreada pelo lucro privado sobre o desenvolvimento coordenado da produção social. Também lidera avanços em inovação tecnológica, ajuste estrutural da economia e proteção ambiental.
Entretanto, as leis capitalistas também influenciam profundamente a economia pública socialista, principalmente interferindo no funcionamento normal das leis econômicas socialistas.
Por exemplo, diante da pressão da concorrência capitalista, as empresas estatais também passam a priorizar a acumulação de capital e se veem limitadas na possibilidade de aumentar salários ou assumir maiores responsabilidades sociais — o que compromete o objetivo socialista da produção voltada ao bem comum. Sob a influência de más condutas burguesas, algumas estatais também se envolvem em práticas irregulares, dificultando a alocação eficiente de recursos e a cooperação entre as próprias estatais. A baixa renda e o poder de compra limitado dos trabalhadores do setor privado também impactam negativamente o mercado consumidor como um todo, dificultando a venda de produtos das empresas estatais e gerando, inclusive, situações de superprodução — fenômeno característico do capitalismo. Além disso, com a corrupção de funcionários e a influência de empresários inescrupulosos, há casos de gestores estatais que se corrompem, resultando na perda de patrimônio público e até mesmo na transformação da natureza dessas empresas. Alguns empresários privados, por sua vez, praticam atividades ilegais que prejudicam seriamente o povo e interferem na realização das leis econômicas fundamentais do socialismo.
É importante ficar em alerta: quando duas formas de leis econômicas coexistem em uma sociedade, uma delas inevitavelmente assume a posição dominante.
Se o setor socialista for suficientemente forte para dominar o conjunto da sociedade, suas leis econômicas ainda poderão desempenhar papel principal. Contudo, à medida que o poder do capitalismo cresce, o funcionamento das leis econômicas capitalistas se intensifica de forma cada vez mais evidente. Os dados históricos da economia chinesa mostram que os diversos males sociais que hoje enfrentamos — que antes não existiam ou eram raros — têm aumentado em número, extensão, impacto e gravidade, acompanhando diretamente o avanço das relações de produção capitalistas e o fortalecimento das leis econômicas do capitalismo. Quando a economia capitalista atinge força suficiente para dominar a sociedade, as leis econômicas capitalistas inevitavelmente se tornam as principais forças que regulam a vida econômica e social.
Fonte: https://www.kunlunce.com/gcjy/zxzz/2022-02-14/158845.html
19/04/2025
https://gabrielgoncalvesmartinez.medium.com/wu-xuangong-o-poder-crescente-do-capital-e-o-impacto-sobre-a-base-pol%C3%ADtica-do-partido-comunista-da-97ea75645b3c