Enquanto Rússia se mantém absorvida pelo prolongado conflito na Ucrânia, um novo foco de tensão emerge silenciosamente no sul do Cáucaso. O Azerbaijão, tradicional parceiro estratégico da Rússia, tem vindo a endurecer a sua postura política e militar, desafiando frontalmente a influência russa na região e colocando sob ameaça direta a Arménia - país aliado histórico de Moscovo e sede de uma importante base militar russa em Gyumri.
Nos últimos dias, os sinais de deterioração das relações entre Baku e Moscovo tornaram-se irrefutáveis. A detenção de jornalistas da Sputnik e de cidadãos russos no Azerbaijão, sob acusações vagas de subversão, foi apenas a ponta visível de uma tensão em crescendo. A Rússia respondeu com indignação diplomática, exigindo explicações e reforçando simbolicamente a sua presença militar na Arménia, especialmente junto ao estratégico Corredor de Zangezur, uma faixa que separa o Azerbaijão do seu enclave de Nakhchivan.
O corredor de todos os interesses
É precisamente esse corredor que está no centro das ambições azeris e no epicentro da crescente crise. Controlado pela Arménia, o Corredor de Zangezur representa uma ligação terrestre vital entre o Azerbaijão e a Turquia, permitindo também a criação de novas rotas energéticas - nomeadamente um pipeline de gás com destino ao Ocidente. Para Baku (capital do Azerbaijão), abrir esse corredor é uma prioridade estratégica, tanto económica como política. Para Moscovo, é uma ameaça direta à soberania da Arménia e à estabilidade da sua zona de influência.
O triângulo Azerbaijão–Turquia–Irão
O envolvimento de Ancara e Teerão acrescenta complexidade ao tabuleiro. A Turquia, aliada natural do Azerbaijão, tem apoiado discretamente as ambições de Baku, tanto pela afinidade étnica e linguística quanto pelo desejo de fortalecer o seu papel como corredor energético entre a Ásia Central e a Europa. Já o Irão, com interesses ambíguos na região, parece aceitar a projeção do Azerbaijão sobre Zangezur - desde que isso neutralize a presença russa e contenha a influência arménia, facilitando assim a libertação de recursos militares para o seu próprio confronto com Israel e para consolidar o seu flanco norte.
A mão invisível do Ocidente
Embora sem ações declaradas, os sinais de movimentação ocidental são evidentes. A crescente aproximação entre Kiev e Baku - com trocas diplomáticas frequentes e o reforço de acordos técnicos e logísticos - sugere que a Ucrânia (e por extensão, os seus aliados) vê na instabilidade no Cáucaso uma oportunidade estratégica. Um conflito entre o Azerbaijão e a Arménia forçaria Moscovo a dividir ainda mais os seus recursos militares e políticos, fragilizando o seu esforço de guerra na Ucrânia e expondo flancos antes considerados seguros.
Trata-se de uma estratégia conhecida, mas eficaz: fomentar tensões nas zonas de influência russa para provocar fraturas entre aliados e criar novos focos de desgaste para Moscovo. Foi assim no Médio Oriente e no Báltico - e agora pode estar a repetir-se no Cáucaso.
Dividir para enfraquecer
Se confirmado, o novo eixo Azerbaijão–Turquia–Irão representa uma mudança profunda no equilíbrio da região. Moscovo, isolada e pressionada, arrisca-se a perder uma posição geoestratégica crucial no Cáucaso, precisamente quando menos pode permitir distrações. A Arménia, por sua vez, sem o apoio robusto de outros aliados, dependerá mais do que nunca da proteção russa - e isso poderá arrastá-la para um novo conflito armado com o Azerbaijão, com consequências imprevisíveis.
Esta nova tensão entre Baku e Moscovo não é apenas um incidente bilateral. É mais uma peça num xadrez global onde o Ocidente procura, meticulosamente, esvaziar a influência da Federação Russa nos seus territórios periféricos. Com o Cáucaso em risco de se transformar num novo teatro de guerra, o mundo poderá assistir, em breve, ao reacender de um velho conflito com novos protagonistas - e com profundas consequências para a já frágil ordem geopolítica do pós-Guerra Fria.
Autor: João Gomes in Facebook