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Capitalismo e o Modelo Biomédico de Saúde Mental
Por Administrador
Publicado em 27/05/2025 11:11
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A psiquiatra Joanna Moncrieff argumenta que devemos abandonar o modelo médico e, em vez disso, nos concentrar em como o sistema de saúde mental se relaciona com o capitalismo.

 

De Micah Ingle

 

Um artigo publicado na revista Frontiers in Sociology utiliza o marxismo para uma análise do sistema de saúde mental. A autora, a psiquiatra britânica Joanna Moncrieff, que é uma figura de destaque na Critical Psychiatry Network, argumenta que devemos resistir a explicações biomédicas de sofrimento mental em favor de explicações econômicas e políticas. Em última instância, ela acredita que, para enfrentar as questões de saúde mental, precisamos enfrentar problemas sociopolíticos e econômicos porque o capitalismo e o sistema de saúde mental estão fundamentalmente interligados.

 

A análise parte da posição de que os problemas de saúde mental não são equivalentes às condições médicas físicas e são vistos mais frutuosamente como problemas de comunidades ou sociedades. Usando o exemplo do Reino Unido, ela reconstroi como um sistema público de saúde mental evoluiu juntamente com o capitalismo a fim de administrar os problemas colocados por pessoas cujo comportamento era caótico, perturbador ou ineficiente demais para participar de um mercado de trabalho baseado na exploração”, explica Moncrieff.

 

O sistema proporcionava uma mistura de cuidado e controle e, sob regimes neoliberais recentes, essas funções têm sido cada vez mais transferidas para o setor privado e fornecidas de forma capitalista”.

Há muito tempo os estudiosos apontam para a relação mutuamente benéfica entre capitalismo, forças de mercado (incluindo a Big Pharma) e o paradigma da saúde mental, que privilegia tratamentos individualistas e explicações biomédicas para o sofrimento humano.

 

Muitos desses pensadores vêem o sofrimento mental como impossível de se desenredar das realidades materiais e questões de poder, desigualdade de riqueza, privação de direitos e outras formas de desvantagem social. Até mesmo as Nações Unidas se envolveram com pelo menos algumas dessas idéias, propondo um movimento em direção à compreensão da saúde mental através das lentes dos “determinantes sociais da saúde“.

 

A autora do artigo atual também escreveu um post de blog para o MIB, explorando seu artigo e algumas de suas implicações, que podem ser encontradas aqui.

O artigo atual analisa a relação entre o capitalismo e o sistema de saúde mental através de um quadro analítico marxista. Moncrieff observa que há décadas existem esforços para chamar a atenção sobre como o sistema de saúde mental apóia o capitalismo e em última instância disfarça as fontes sociais, políticas e econômicas de sofrimento psíquico, colocando o ônus sobre o indivíduo ou sua biologia. Apesar desse fato, o complexo saúde mental-capitalismo-farmacêutico continua em expansão. Ela argumenta que, para fazer mudanças, precisamos entender o que está acontecendo de uma perspectiva materialista e econômica.

 

Moncrieff observa primeiro que a busca de marcadores biológicos de transtornos mentais não conseguiu encontrar evidências convincentes e que existem numerosos problemas dentro desses programas de pesquisa:

  • A pesquisa genética com famílias e gêmeos tem negligenciado importantes pontos de confusão, e as descobertas positivas têm sido destacadas enquanto as negativas têm sido enterradas”.

  • Estudos recentes em todo o genoma produzem provas insignificantes de quaisquer efeitos genéticos relevantes”.

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Ela também observa que uma das descobertas mais consistentes da neurobiologia – que pessoas com esquizofrenia têm “cérebros menores e cavidades cerebrais maiores” – tem sido perturbada por descobertas mais recentes de que isto se deve, pelo menos em parte, a medicamentos antipsicóticos.

Em vez de ver esses casos de sofrimento humano como anormalidades ou patologias biológicas, ela sugere que tentemos entendê-los no contexto, como “problemas de comunidades ou sociedades”.

 

Observando o argumento comum de que o sistema de saúde mental existe para conter e controlar o comportamento socialmente desviante:

O comportamento perturbado e perturbador não é apenas um incômodo social; entretanto, ele afeta potencialmente os processos de produção que formam a base das sociedades modernas. O indivíduo que é agudamente paranóico ou severamente deprimido, por exemplo, é pouco provável que seja capaz de trabalhar, ou pelo menos de trabalhar eficientemente, e os membros da família também podem ser impedidos de trabalhar por causa da perturbação causada em suas vidas.

 

Além disso, alguém que esteja gravemente perturbado mentalmente pode assustar e perturbar aqueles ao seu redor, impedindo que as pessoas se sintam seguras e motivadas o suficiente para satisfazer as exigências do trabalho, e potencialmente prejudicando todo o sistema de produção moderna”.

Em outras palavras, não é apenas uma forma particular de arrumação social ou tentativa nua de controle que está em jogo ao querer remover “indesejáveis” e “desviantes” da vista; mas na verdade, o sistema de saúde mental tem uma relação direta com as economias capitalistas e o mercado de trabalho.

 

Discutindo a relação entre capitalismo e serviços sociais, Moncrieff afirma:

Contribui para a reprodução social do sistema capitalista, assegurando que haja uma oferta de trabalhadores saudáveis, educados e disciplinados”.

E que os serviços sociais também funcionam de forma a “assegurar a harmonia social, ao atender aos idosos e doentes e sustentar aqueles que nunca entrarão na força de trabalho, por exemplo. [Pode ser visto como um meio de legitimação do sistema, pois, ao impedir que as pessoas morram nas ruas, elas asseguram a continuidade das relações capitalistas de exploração e dominação através da hegemonia em vez da força”.

 

Sobre o tema das condições de trabalho e satisfação do trabalhador dentro do capitalismo, Moncrieff argumenta que as pessoas trabalham mais sob o neoliberalismo do que no passado. Sua “produção” e “desempenho” também são “constantemente escrutinadas” e, é claro, muitas pessoas enfrentam altos níveis de precariedade no trabalho.

 

Ela afirma que, por estas e outras razões, não é de se admirar que muitos trabalhadores estejam enfrentando um moral baixo, existindo em uma cultura de “medo e culpa”, e finalmente passando por uma série de condições mentais angustiantes:

A competição, a base do sistema capitalista, cria vencedores e perdedores. O medo do fracasso é, portanto, uma fonte constante de ansiedade para o indivíduo moderno, e o próprio fracasso é tão freqüentemente o precipitante da desmoralização e desesperança que é chamada de depressão”.

 

A autora conclui:

Esta análise sugere que o sistema de saúde mental pode ser entendido como parte de um sistema mais amplo de reprodução social através do qual as sociedades modernas produzem uma força de trabalho apta, capaz e receptiva e asseguram a harmonia social. Os meios particulares de reprodução social dependem da forma econômica e social que cada sociedade assume”.

A transformação das populações pós-industriais em pacientes mentais representa a marginalização econômica e social de um grande segmento da sociedade. Rejeitar a medicalização dos chamados problemas de saúde mental é um passo necessário para revelar algumas das contradições fundamentais do capitalismo e lançar as bases para a mudança política”.

 

Moncrieff, J. (January 01, 2021). The political economy of the mental health system: A Marxist analysis. Frontiers in Sociology, 6, 1-11. (Link).

Imagem: Indústria de Detroit - Diego Rivera, 1932-33.

 

 

Via: https://temposdecolera.blogs.sapo.pt/capitalismo-e-o-modelo-biomedico-de-211498

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