Voluntária ou involuntariamente, Trump não apenas contribuiu para dar visibilidade à luta pela terra, mas lançou internacionalmente mais uma jovem liderança
Recentemente, a comunidade internacional foi impactada por mais um espetáculo farsesco de Donald Trump, que, ao receber Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, acusou o mandatário africano de ser conivente com um “genocídio branco” e de incentivar a expropriação de terras.
Agora, o mais interessante foi que ele deu visibilidade a mais uma liderança africana, Julius Sello Malema, nascido em março de 1981. É membro do parlamento e líder dos Combatentes da Liberdade Econômica, EFF em sua sigla em inglês, um partido político sul-africano, pan-africanista e seguidor das ideias de Steve Biko, líder do Movimento de Consciência Negra, assassinado sob tortura nos anos 1970 pelas forças de segurança do regime do apartheid. Por sinal, tal como Biko, ele também admirava Winnie Madikizela-Mandela, ex-esposa de Nelson Mandela, outra liderança popular e radical naqueles anos de transição política.
Julius pertence à última fase da luta contra o apartheid. Embora nascido em 1981, aos 9 anos já era filiado ao Congresso Nacional Africano, partido no qual foi dirigente, como presidente da Juventude do ANC, em sua sigla em inglês, de 2008 a 2012. Expulso em 2013, no mesmo ano fundou, com outros companheiros, o EFF.
Para progressistas brasileiros de origem marxista, o nome do partido pode parecer estranho. Embora a agrupação seja considerada pela mídia corporativa internacional como de extrema esquerda, ela carrega os signos dos movimentos comunistas: o gestual, a boina e a cor vermelha em seus uniformes e manifestações.
Sem dúvida, a transição democrática realizada após o colapso da União Soviética e no auge do neoliberalismo, capitaneado por Bill Clinton e seu imperialismo dos direitos humanos, sob coordenação de Nelson Mandela e Frederik de Klerk, realizou o sonho de “um homem, um voto” e revogou toda a legislação do período dos governos de minoria branca.
Entretanto, a estrutura econômica permaneceu profundamente desigual. Até hoje, os brancos recebem salários três vezes maiores que os negros, têm acesso à infraestrutura urbana e, ponto fundamental, 7% de brancos controlam mais de 75% das terras agricultáveis. Infestada de ONGs financiadas por fundações internacionais, a resposta liberal foi a adoção de políticas de ação afirmativa que contribuíram decisivamente para a constituição de uma classe média negra empoderada.
Verdade seja dita, diferentes governos tentaram estimular a venda de terras por parte dos fazendeiros brancos, por meio de razoáveis indenizações. Mas todos tiveram uma baixíssima adesão. Não por acaso, esta é a principal pauta das mobilizações ruidosas do EFF. Diante da pressão social, o governo de Cyril Ramaphosa aprovou, em 2018, uma emenda constitucional que tornava possível a desapropriação de terras sem indenização. E, no ano passado, fez aprovar uma lei regulamentando aquele preceito constitucional.
É justamente esse ponto que Donald Trump, estimulado por Elon Musk — hoje estadunidense de origem sul-africana — se apega. A reforma agrária contribuiria decisivamente para a superação de 500 anos de dominação ocidental na África do Sul, demanda cujos Combatentes da Liberdade Econômica são um dos mais importantes porta-vozes.
Para o ANC de Cyril Ramaphosa, participar dessas mobilizações é fundamental para reverter as quedas de popularidade do partido, que se refletem em perdas de intenção de votos desde a segunda década do século, e que têm favorecido os novos partidos críticos da ordem, como o umKhonto we Sweezy — nome do antigo braço armado do ANC, comandado pelo ex-presidente Jacob Zuma — e o EFF, de Julius Malema.
Voluntária ou involuntariamente, Donald Trump não apenas contribuiu para dar visibilidade à luta pela terra na África do Sul, mas lançou internacionalmente mais uma jovem liderança africana que, juntamente com Ibrahim Traoré, presidente de Burkina Faso, está construindo uma alternativa pan-africana, radical e democrática no continente!!!
Autor: Paulino Cardoso - Historiador, analista geopolítico e Editor do Mundo Multipolar
Fonte: https://www.brasil247.com/blog/julius-malema-e-o-genocidio-branco-na-africa-do-sul